quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Pouso

Foi quando cheguei aqui, quase noite, o sol se ia. Olhei pro céu, uma mancha se movia.
Alto, alto iam dançando, um espetáculo sem nada a pagar, sem fila de entrada ou lugar marcado, era ao ar livre, no ar.
O pôr do sol, que costuma roubar minha atenção, nesse momento foi mero cenario, ainda que belo, para as centenas de bailarinas andorinhas, protagonistas, que desfilavam em praça pública, rodando, girando em volta de nem sei quê. Parecia que não queriam chegar a lugar algum, apenas se exibiam.
Apontaram-me ao ver meu deslumbramento, onde elas pousariam, quase quis imaginar, mas prefiri simplesmente esperar.
Então, por um descuido em má hora, quando petelequei uma formiga que me escalava, perdi o final tão aguardado. Olhei para o céu em vão, vazio a não ser por Vênus, a primeira estrela que se descobre no escuro. Perdi o último vôo e o pouso que o seguia.
E Deus do céu, que mistério de outro mundo, pois anoitecia e anoitecia e era a mesma coisa todos os dias. Uma vez foi minha priminha arretada, puxando minha camiseta pra ir com ela no quintal pegar jambo no pé, bem na hora da descida.
Outra vez olhei pra minha tia ao perguntar como se sentia, pois naquele mesmo dia alugara a padaria que há quese trinta anos gereia.
Ontem mesmo senti um cheiro já conhecido e desviei o olhar para aquele jumento celestino, a quem eu daria o nome de Coitado, maltratado que é o bichinho. Meio manco, despelado, anda sem rumo por aí afora. E foi assim dia após dia.
Por mais que eu desejava ver e tanto me empenhava, tudo me distraia. Parecia meus sonhos acordada, sem desfechos e repetidos todo dia, mas o último ponto não deixo.
E foi hoje, já vai fazer mais de hora, que venci esse tormento de nada nunca terminar, nem o vôo das andorinhas. Sai de casa pra calçada, mesmo horário, quase o mesmo lugar, pois quando se olha pra cima, não importa muito de onde se faz.
Lá do alto, como sempre, do mais alto começaram, o balé se movendo leve, livre, as andorinhas indo e voltando, descendo aos poucos, subindo um monte. E me enganavam e me envolviam. Eu sabia que era o dia.
Meus olhos como que presos por um forte fio de nylon à revoada dos passarinhos não tinham outra opção. E assim fiquei calada a admirar, e nada me distraiu, nada me desviou o olhar.
Ai, que quase me dói, arranharam o vento, rasgaram o céu, rápido e violento, parecia mais um adeus, desses pra não dar tempo de arrancar as lágrimas tradicionais. De uma beleza razante, nem sei se cabe o adjetivo, mas que dúvida, tudo cabe.
Assim terminou minha sina de não ver o pouso ferido. E dormiram no meio da rua, no fio da luz, no escuro, e não mais as vi quando tudo se apagou. Só sei que quando acordo lá elas já não estam, e preparam-se durante o dia pra amanhã de novo atacarem.