terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Lucia

Acordava e de pronto as notas já me invadiam
e eu fugia por entre os meus cômodos
mas as benditas ainda insistiam
tinha os ouvidos exaustos
e o silêncio de nada valia

A verdade é que nem conheci o silêncio
ou então era ele quem não me conhecia
só sei que vivi com a música
e dela eu nunca escapei
acompanhou-me por todos os números de pautas da minha história
por inúmeras vezes quase enlouqueci
Cheguei a chegar num ponto que não restando o que fazer
passava as noites acordada
tentando em vão não ouvir nada
e pela falta de opção cantava meu triste pranto
e chorava em semitons

quando por fim dormia
ninava minhas canções
acostava-me e de pronto as notas me interrompiam


( A Lucia, não fui eu quem criou, o poema sim)
São escritos antigos como a maioria aqui, não criados especialmente para meu "catando limão", ou "lamentando o verdão", como diria meu querido amigo diegão.
Imagino

Um dia imaginei um ser imaginário

intermitente, enquanto real.
Tinha mãos, rosto, um nariz
sofria com a insônia
e vez por mês, perdia as estribeiras

Minha imaginação plantou-lhe castanhos cabelos.
uma boca bem feita, pela qual sou quase desesperada,
belos olhos intensos e um sorriso que me arrepia a alma

Um dia imaginei um ser imaginário
de toque sedutor.
às vezes meu ser se vai
e tento em vão imaginar outros iguais,
é impossível

Meu ser passeia pelas noites e mesas de bar
chora, vez por mês.
Quando nos encontramos
conta-me sobre os mares e a música
os quartos por onde dormiu,
braços nos quais esteve

Mas é enroscada no meu abraço
que soa como canção aos meus ouvidos cansados
e brota, mudando tudo, em sonhos desencantados

Um dia imaginei um ser inventado
mas que já fora antes, por muitos, imaginado.
Pois ainda não descobri se é flor ou mulher
a minha querida;
o meu ser imaginário
Quem cala a tua roupa
e tira a tua boca
apaga a tua sombra
desanda a tua janta

quem chamas nos teus sonhos
qual nome que tú sonhas
quais ruas que tú andas
quais ares te sufocam
que cheiro tem tuas flores?

Encontro-te tão minha
que exalas angústia e trégua
ressalva, passado e agora.
Quem lê nas tuas noites
e aquece a tua cama?

Eu, beijo tua nuca
e afago tua boca
arranco tua roupa
desenho tua sombra
e como a tua janta

me chamas nos teus sonhos
meu nome é que tú sonhas
em mim é que tú andas

tens cheiro de amores.


domingo, 9 de novembro de 2008

e quem disse que corinthiano é sofredor, nunca torceu pelo verdão.
brindemos que o são paulo não seja campeão. vai palmeiras caralho, toma no rabo bambis de merda, pêlo de bambi é quinem protetor de bateria, espera que o show acabe, para então aparecer.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Ao fim da minha temporária de muito tempo, alienação (espero)
E o vento, que eu desejava
que levasse todos meus mal agouros
apenas me sopra pra longe
no meio termo do alívio
Por isso sou sempre cercada por angústias
do meu mundo e do de todos nós;
lugares distintos, mas semelhantes

é tão difícil não escrever do amor
quando é ele quem corre todos os meus sintomas

Infelizmente tem muito mais que amor no mundo
temos antes, as bolsas que sobem e caem
tomando a atenção do morrer de fome
as ruas que se enchem d'água
pelos bueiros cheios, sujos
e cidades mal pensadas e administradas

Então agradeço ao vento
por não me levar os mal agouros,
seria fácil e confortável,
mas além de tudo
Desumano

Minha alma aqui permanece
quando o corpo descansar
porque por menor que seja o amor no mundo
eu o amo ardentemente
amo-o severamente
e não o deixo nunca mais

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Entre os limos da árvore maior, daquele jardim abandonado, morava uma formiga que só amava amores platônicos. Isso não quer dizer que ela só vivia amores sem toque, não correspondidos. Não, não. Digo isso, pois àquele pequeno inseto, só era amor amado, o platônico.
E não adiantava nada que a rainha lhe mandasse pretendentes formigogaranhões, dos mais lindos e inteligentes do jardim, se dela eles gostassem, pronto, caso encerrado; nada mais.
Claro que ela desejava, como todos nós- bichos e gentes- um final feliz, mas aquela desgraça de platonismo, não a deixava em paz. Chegou até a pensar que havia sido enfeitiçado por uma fada malvada, quando era ainda um ovinho. Mas depois de certo tempo, passou a não acreditar que uma fada perderia seu tempo nisso.
A formiga gostava de cantar e cantava a todos os seus amores- platônicos certamente. Era assim que os conquistava, mostrando palavras que a eles pertenciam. Quando se encantavam, porém, a formiga partia para outro ouvinte, às vezes menos interessante e que nem ligava para ela e suas canções. Mas era sempre isso que fazia e não tinha jeito.
Pois certo dia, a tal "inseta" foi caminhar pelos galhos, desejando que como a rainha e os pássaros, tivesse asas para fugir de toda aquela condição. Encontrou bem lá na última folha do graveto, um besouro encantador.
Moreno, forte, que parecia não notá-la, pronto se apaixonou.
Era amor! Tinha que ser amor, pensava ela consigo mesma. Não o deixaria partir, estava certa disso. Logo pôs-se a cantar palavras que juntava na hora. Estava feliz, a coitada.
O besouro bonitão, contudo, era surdo. Nem sequer a olhou. E a formiga tanto cantou, que acabou perdendo a voz. Ele levantou vôo, ela ficou ali parada, olhando-o partir, sem nem ter como gritar, ou murmurar.
Desde esse triste dia, o tronco ficou mais infeliz, não havia mais pretendentes ou cantoria. Nunca mais amores, a formiga não quis mais. Deitou-se um dia naquela folha do besouro surdo e rolou para baixo tentando voar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

o oposto do obituário seria talvez quem nada fosse beneficiado pela morte de algo. imagino-me como um oposto de obituário, desfeita pela morte de amores que nem chegam a existir. coisas que construo solitária e que destruo logo em seguida, por conta própria outra vez. e assim vou andando sem mais nem outro mais, sem nem ao menos o menos. andando só por não correr ou não me manter parada. e quando durmo então, que arredios são esses sonhos que perseguem minha sensatez. aí ando pra trás, só por andar, só para não correr ou não me manter parada.
são preferíveis as vezes que ando pra frente, querendo quase chegar, mas nem sempre alcançando. aí desapontamento, quebra de expectativa -odeio quebra de expectativa- última gota de água desperdiçada no deserto. grandes coisas, mero abraço. estupidez e imbecilidade elevadas ao tudo, até o último número da conta da última prova colegial. odeio provas colegiais, e também as universitárias e principalmente as provas de amor, acho ridículo e inútil, sofrimentos a parte.
e o coração o que tem a ver com isso, por que insistem em colocá-lo como símbolo de amor, é a cor? é por ele não ser o próprio cérebro, já que o amor é estúpido e despreferível à razão. acho mesmo, é isso que concluo em toda segunda feira à tarde, grandes coisas esse negócio de amor, grades merdas. odeio segunda feira depois do almoço.
quando eu piso no bueiro por descuido, penso que poderia ter caído naquele momento e melar-me de esgoto, ou quem sabe morrer afogada na água suja da cidade inteira, bater a cabeça... vai saber, então sempre que isso acontece, digo; pisar no esgoto por falta de atenção, dou graças por ter tido tamanha sorte. isso muito poderia passar, quando por descuido incluo uma pessoa na minha vida, o problema é que "I fall in love too easily" e aí fico nessas, caio no bueiro, apaixono-me, espero. tudo uma grande merda.
tenho ódio pelo amor, pena dos apaixonados idiotas. não, não tenho pena de mim mesma, só dos outros e é do grupo no geral, não de cada um individualmente, porque eu não gosto de ter pena de ninguém.
aí é isso, queria mesmo era ser abduzida por ETs, seria bom pra mim, em uma terra sem paixões que nos matam, e amores que morrem. Que besteira...

Marejada


Se entreguei uma flor
e foi de jardim algum que arranquei
é porque quero que entre outras tantas, essa noite, esteja comigo

Uma promessa eu fiz a mim mesma:
era a de não entregar mais nada
pois descumpri-me feliz, surpresa...
rejeitei minha regra
quando enroscada em braços que não me pertenciam
senti que era isso que para sempre queria sentir
e que não entenda-se o sempre como eterno
porque de eternidade já estou quase cansada
apenas assombro-me com a possibilidade de não ter mais.
Escrevo então marejada pelos muitos poucos que me faltarão contar

Acordei em volúpia,
aprendo o prazer dia a dia
o prazer.
atrasada, sempre e eternamente
E que me cheguem mais doses, mais cigarros!
Mas não me chega mais nada.
Envolvi e entreguei o que não queria dar;
o que mais temia dar
Restou um vestígio e um sussurro,
mais distantes noite a noite.

ao amor;
cíclico, fásico, novo, crescente, cheio
e que míngua tão raras vezes (nesse caso falo por mim)
Em Lua cheia fico tingida, Lua nova; desbotada
trôpega e arfante, pois mal alcanço o ar que há de se respirar

Acordei em volúpia
mas era sonho outra vez
Cercadas todas as saídas
fuga impalpável, transparente
Perdi-me de novo no mar...

E termino marejada, esse instante lamento.
ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ.
DE ARIANA PARA DIONÍSIO.
Hilda Hilst

I

É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III

A minha Casa é gurdiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?

IV

Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante

Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.

Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana

Não essa que te louva

A cada verso
Mas outra

Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente

E por isso talvez
Te aborreças de mim.

(...)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008


tomei a liberdade e as dores de Dionísio, nem aos pés da mestre, mas uma resposta.

resposta de Dionísio

Não fui esta noite.
estive menos Dionísio, então não queria ter menos Ariana
amanhã
não vou,
pois tua casa inebriada de amor teu
arranca-me a capacidade de ser mais.
sendo eu, o teu amor; sou só

sim, arde-me a tua vida poesia
tão pouco secreta para mim.
Não fui, para que ouvisse mais o mundo
e pudesse também parar em frente à petúnia
e contemplá-la com sua forma poeta

Não me sonhes, Ariana
quero pleno, dormir minha noite,
sou um caos

Porque não sei se te amo
tento não te amar demais
é mais fina a dor que eu não sinto

Porque, Ariana, não sei se te amo
sou rude ante à ardência da tua espera
apalpo-te desdenhosamente
embebido do teu suplício
Mas quando contigo, sou seu
e me apavoro ao ir embora

Porque não sei que te amo
meu bem,
não volto mais
Fugia da chuva como quem foge do cão. De cima para baixo, buscava uma vão no céu, que não o deixasse molhar. Em baixo do viaduto, lotação; esgotado. Os toldos de lojas levavam um aviso em letras garrafais, dizendo: proibido acolher vagabundos.
Árvores não havia por ali, pensou então no tal do lado bom, árvores atraem raios. Eletrizado então, não morreria. Mas daquela pneumonia que ia e vinha, sentiu que dessa vez poderia não escapar.
Corria, corria, como se as nuvens cinza, quase pretas, em algum momento fossem desaparecer. E nada acontecia.
Muito pelo contrário o mundo todo parecia ficar mais escuro, mais aguado.
Estava completamente encharcado, um verdadeiro... daqueles que chamam de pinto molhado. Sua calça, apesar do pouco tecido conseqüente de inúmeros e largos rasgos, pesavam-lhe as pernas. "É jeans de qualidade"-pensou ele.
Quilômetros pareciam ter sido percorridos, faltava-lhe energia, fôlego, calor. Se ao menos tivesse um cigarro a prova d'água, poderia apreciar o temporal de outro ponto de vista; sentado, soltando fumaça pela boca e pelo nariz (o que mais gostava). Nem cigarro molhado achara nos bolsos, não tinha nada, nem saída, nem entrada.
Ele estava arrasado, liquidado, morreria ali mesmo, e sem cigarro. Já engasgava dramaticamente com a chuva, quando uma sombrinha bateu-lhe nas pernas jeans. Tomou-o no mesmo momento em que as grossas e pesadas gotas davam lugar a uma garoa fina, quase imperceptível. E um arco-íris, como um sorriso pra baixo, cortou todo o firmamento.
Aí concluiu: "Pronto, morri, to no céu". E pra quem há pouco fugira do cão, essa nova situação era mais do que agradecida.
Durante o tempo que lhe restou, viveu tossindo e feliz. Os olhares feios que lhe lançavam na rua, eram apenas anjos que acordaram mal-humorados depois de tanta chuva. "Muito compreensível...".
Deu-se dois dias de sol forte, e alegre, o pobre morreu de pneumonia.