segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Fugia da chuva como quem foge do cão. De cima para baixo, buscava uma vão no céu, que não o deixasse molhar. Em baixo do viaduto, lotação; esgotado. Os toldos de lojas levavam um aviso em letras garrafais, dizendo: proibido acolher vagabundos.
Árvores não havia por ali, pensou então no tal do lado bom, árvores atraem raios. Eletrizado então, não morreria. Mas daquela pneumonia que ia e vinha, sentiu que dessa vez poderia não escapar.
Corria, corria, como se as nuvens cinza, quase pretas, em algum momento fossem desaparecer. E nada acontecia.
Muito pelo contrário o mundo todo parecia ficar mais escuro, mais aguado.
Estava completamente encharcado, um verdadeiro... daqueles que chamam de pinto molhado. Sua calça, apesar do pouco tecido conseqüente de inúmeros e largos rasgos, pesavam-lhe as pernas. "É jeans de qualidade"-pensou ele.
Quilômetros pareciam ter sido percorridos, faltava-lhe energia, fôlego, calor. Se ao menos tivesse um cigarro a prova d'água, poderia apreciar o temporal de outro ponto de vista; sentado, soltando fumaça pela boca e pelo nariz (o que mais gostava). Nem cigarro molhado achara nos bolsos, não tinha nada, nem saída, nem entrada.
Ele estava arrasado, liquidado, morreria ali mesmo, e sem cigarro. Já engasgava dramaticamente com a chuva, quando uma sombrinha bateu-lhe nas pernas jeans. Tomou-o no mesmo momento em que as grossas e pesadas gotas davam lugar a uma garoa fina, quase imperceptível. E um arco-íris, como um sorriso pra baixo, cortou todo o firmamento.
Aí concluiu: "Pronto, morri, to no céu". E pra quem há pouco fugira do cão, essa nova situação era mais do que agradecida.
Durante o tempo que lhe restou, viveu tossindo e feliz. Os olhares feios que lhe lançavam na rua, eram apenas anjos que acordaram mal-humorados depois de tanta chuva. "Muito compreensível...".
Deu-se dois dias de sol forte, e alegre, o pobre morreu de pneumonia.

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